sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Barbárie

O que se passou no jogo Catania-Palermo excede tudo aquilo que, creio, a imaginação mais delirante seria capaz de inventar. Por dois motivos. De um lado, porque parece quase inimaginável que num país como a Itália ocorra o tipo de incidentes como aquele que hoje teve lugar. Mais parece, de facto, coisa de outras paragens e de outros graus civilizacionais...
Por outro lado, porque me surpreendeu a reacção do Sindicato de Jogadores (AIC). Ao pedirem a suspensão do campeonato por um ano "para reflectir sobre todo o mal que [o futebol] cria", como referiu o presidente da AIC, os jogadores estão-nos a dar a possibilidade de distinguir com rigor quais são, de entre os diferentes agentes do futebol, os verdadeiros responsáveis pela barbárie que grassa neste universo particular. Dirigentes e adeptos executam, com efeito, desde há muito, uma dança perigosa. E a única coisa que devemos estranhar é que este género de incidentes não ocorra com mais frequência.
Os jogadores que actuam em Itália revelaram aqui um comportamento que eu, pessoalmente, gostaria que fosse a norma. Entretanto, a Federação Italiana já determinou a suspensão dos jogos deste fim de semana.
O incidente de hoje não pode deixar de me fazer recordar o assassínio que ocorreu na final da Taça no Jamor. Com algumas e significativas diferenças. Depois de perpetrado o crime, não me recordo de assisistir a qualquer reacção da parte dos jogadores, que continuaram a jogar como se nada tivesse ocorrido. E da parte das autoridades políticas, dos dirigentes dos clubes e dos responsáveis federativos apenas pudemos ver um generalizado coro de "assobios para o lado".
É neste caldo de cultura, é neste clima de leviandade, é neste estado de cegueira colectiva que se criam as condições para que mais incidentes deste tipo possam ocorrer.
Quem pode hoje, em consciência, dizer qual é o mal que o futebol cria?

"Não se deixem enganar!"

Paulo Bento deu hoje a habitual conferência de imprensa antes do jogo. Confessou que não esperava reforços e exortou, neste sentido, os Sportinguistas a "não se deixarem enganar." As palavras são textuais e foram pronunciadas a propósito da questão dos reforços dos outros clubes e da ausência de reforços no Sporting. Constituem certamente um comentário ao mal estar que causou o facto de não ter sido aproveitado o chamado "mercado de inverno" para corrigir o muito que há a corrigir neste modelo desportivo que é hoje o do Sporting.
Ó Paulo Bento, se me está a ouvir, preste atenção porque lhe vou revelar um segredo! Não tenha receio, os Sportinguistas não se vão deixar enganar. A verdade, como aquela do algodão, não engana.
Ora veja lá você que hoje, nem de propósito, as notícias dão conta de que a IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, os mesmos que classificam o Ricardo como o melhor guarda-redes português da actualidade e um dos sete do mundo!) publicou o ranking dos melhores clubes de sempre. O Barcelona (o tal da UNICEF nas camisolas) lidera. O melhor clube português é o FC Porto. Constam ainda da tabela aquela agremiação que tem sede ali à frente do Colombo (cujo nome, não sei se sabe, mas nunca consigo recordar) e... imagine você!, o Boavista.
Quanto ao Sporting... népias!
A gente sabe que este ranking é baseado em dados obtidos apenas a partir de 1991, e sabe também que estas coisas de estatísticas, factos e factóides, devem ser encaradas com distância (já o tinha dito a propósito do Ricardo). Mas, a verdade é que o Sporting já há muito empalideceu e os factos revelados pela IFFHS se limitam a dar forma de tabela a um facto que todos sentimos: a "grandeza" do Sporting é uma ficção, um toque de realidade virtual, que só a nossa inesgotável generosidade tem permitido alimentar. Sabemos o lugar que ocupamos.
Mas, ó Paulo Bento, nós sabemos também o que fomos, o que são os nossos princípios fundadores, o quanto tudo isto pesa e o lodaçal em que acabámos por nos atolar. E sabemos que, por razões conhecidas, os nossos valores primeiros são diária e inexoravelmente tripudiados por um imparável cortejo de vaidades, oportunismos e vigarices que não parece ter fim.
Creio que os Sportinguistas atingiram o limite da sua paciência. E, neste sentido, o nosso amor ao Clube e ao futebol estão em fase de, digamos, reavaliação...
Ou seja: para que as suas palavras fossem mais precisas, você devia ter-nos recomendado antes: "Não se deixem enganar... mais!"
Embora, o aviso não fosse, de facto, necessário...