quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Não foi um sorteio, foi um desastre

"As equipas dificilmente podiam ser piores e até a ordem dos jogos é má. Se o Sporting não conseguir, nem jogadores nem técnicos são de culpar, e até lá é torcer pelo melhor. Mas não foi um sorteio, foi um desastre." Faço minhas as palavras do orador anterior. Os lampiões, em compensação, lá tiveram a vaca do costume.

O que é ser do Sporting?

Aposto que se aproveitarmos um dia de jogo e fizermos esta pergunta a todos aqueles que assistem ou se preparam para a ele assistir, obtemos tantas respostas quantas as pessoas inquiridas. No entanto, todos sabemos cá dentro o que é ser do Sporting. Ou seja: há para além das razões pessoais, resultantes das idiossincrasias de cada um e mesmo que de forma subliminar, um conceito, um “universal”, se quisermos, (no sentido filosófico do termo, embora isso nos levasse longe…) do que é ser do Sporting. Este problema coloca-se a qualquer outro clube, claro, e essa é uma questão relevante, mas sobre isso falarei noutro post.

O que nos prende aqui, neste momento, é isto: o que é, afinal, ser do Sporting!

Não é uma questão que surja pela primeira vez no espaço do KL. O Manifesto —cuja re-leitura recomendo— aborda este problema. Mas, neste momento, tendo em conta os últimos posts surgidos neste espaço, creio que é altura de fazer o chamado “ponto de situação”.

Poderíamos responder à questão colocada pela negativa, ou seja, poderíamos dizer que ser do Sporting não é, certamente, envergar um cachecol ou uma camisola do Sporting. Ser do Sporting não é gastar dinheiro numa Game Box e enfiar na cabeça um chapéu de bicos com guizinhos na ponta... Mas, não é o que todos os Sportinguistas fazem? Não vestem todos uma peça verde em dia de jogo? Não envergam uma camisola ou um cachecol? Não foram tantos, alegremente, comprar uma Game Box?

Analisar esta questão pela negativa não é, contudo, um exercício tão óbvio ou despiciendo como isso. Já há muito que nos tentam vender os símbolos do Sporting como um substituto do que é ser, verdadeiramente, do Sporting. Aqueles que assim procedem não estão tão distantes daqueles vendedores de cachecóis e camisolas para o “maior”, que se passeiam pelos estádios e imediações nos dias de jogo. Hoje apregoam que o cahcecol é para o “maior” Sporting, amanhã é para o “maior” Porto, etc, etc. O “maior” é sempre aquele que joga no momento. Apelando ao sentimento clubista, os vendedores do “é pró maior!” lá se vão tentando safar, hoje aqui, amanhã ali.

Na falta de valores, os símbolos traficados dos clubes vão servindo para mediar a relação entre o sócio ou o adepto e o clube. Mas, como nos dizem os teóricos (posso citar a quem quiser, em privado, em que teóricos me apoio para afirmar isto) o símbolo não precede o simbolizado. A adopção do símbolo e o significado que lhe é atribuído pelos membros de uma determinada comunidade que o gerou é o resultado de uma negociação que sucede a um entendimento sobre o que é e qual é a função do conceito. Depois vem o símbolo.

Ou seja: ser do Sporting não “é” uma camisola com riscas verdes e brancas… Há qualquer coisa que a camisola verde e branca simboliza. Mas, a camisola não é a coisa!

O que é então ser do Sporting? Vou-vos dar a minha perspectiva pessoal e podemos depois “trabalhar” esta definição.

Ser do Sporting, para mim, é um ideal de competição desportiva assente no confronto totalmente leal e na entrega total a esse confronto. É isto, simplesmente, que todos os Sportinguistas almejam. Em campo ou for a dele.

Tudo o resto, camisolas, cachecóis, estádios, academias, marketing, imagem, gestão, naming rights, game boxes, etc, só faz sentido ao serviço deste ideal. Reparem: um clube desportivo é uma metáfora, uma criação, uma utopia colectiva que reproduz através de símbolos um determinado ideal. É um desígnio colectivo produzido e aceite por um grupo de pessoas que se revê nesse ideal. Quando os símbolos viram ideal algo está a correr mal.

Ora, o que implicitamente nos estão neste momento a vender —todos aqueles em quem os Sportinguistas confiaram, desde há muitos anos a esta parte a condução dos destinos do Clube— é a ideia de que basta comprar na “loja verde” o produto do dia, seja ele uma camisola, um cachecol, ou uma Game Box para que a manutenção do ideal Sportinguista esteja assegurada. Isto é uma mentira que precisa de ser denunciada, dissecada e combatida!

Poderíamos até estar numa situação em que esta mentira se pudesse ir mantendo sem grandes sobressaltos ou consequências. Afinal trata-se apenas de bola. Mas, não estamos. O futebol tem uma função e assenta em pressupostos antecedem e se não esgotam nos clubes. Ora, o futebol português e a sua organização, estão mergulhados numa pocilga fedorenta constituida por clubes fundados em ideais que não praticam, esquecidos ou há muito abandonados. Encavalitados no poder do futebol, os clubes vão tentando vender de forma ardiolosa e por todos os meios que conseguem agarrar ideais virtuais, com o objectivo único de defender interesses privados, obscuros e mesquinhos dos seus agentes. O problema não é, certamente, exclusivo do futebol, nem do país, mas a vulnerabilidade e o carácter efémero deste desporto (e do país!) tornam este caso mais pungente.

Não sendo um produto de primeira necessidade, a sobrevivência do futebol está ameaçada no nosso país. Todos assistimos aos episódios, que se multiplicaram na época passada, de desaparecimento de alguns clubes e ao enfrentamento de dificuldades sérias de vária ordem de outros clubes. As despesas aumentam, as receitas dimimuem, o futebol torna-se um produto inatingível. Não é de prever que esta situação melhore. E o Sporting não está (não se tornou por milagre...) imune a estes problemas. Diria mesmo mais: o Sporting é particularmente vulnerável a tudo isto.

A pergunta que, face a isto, poderemos para já fazer é, portanto, esta: o que será dos ideais Sportinguistas se, por via de uma condução errada dos seus destinos e das dificuldades que a estrutura em que se insere enfrenta, o Clube vier a desaparecer? O perigo de os ideais Sportinguistas deixarem de ter uma estrutura que os contenha é real. E por quanto tempo poderá o Sporting sustentar a sua actividade desportiva com base no modelo do ano de camisola ou nos guizos dos bonés?

E já agora, deixem-me lá fazer uma pergunta à consciência mais profunda de todos os Sportinguistas: não seria antes preferível preservar os ideais Sportinguistas, tanto no plano da actuação interna, como externa, a fazer esta fuga para a frente em que os dirigentes parecem andar empenhados? Não seria esta a forma sustentada de fortalecer o Clube e de o blindar contra as dificuldades que não vão, certamente, desaparecer?

Liga

Os episódios que se vão sucedendo relativamente a toda esta trapalhada da Liga revelam bem o que é o futebol português hoje. Do lado do Sporting, o silêncio assusta porque, não sendo conhecida nenhuma estratégia da parte desta Direcção relativa a esta matéria, só podemos chegar a uma de duas conclusões: ou vamos com a Maria (que vai com as outras, como é sabido...), ou não vamos com ninguém.
Aguardemos então pelos novos episódios que, decerto, se vão suceder...