sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A crise e as batotas dos nossos rivais

Tracei, em dois posts anteriores sobre o chamado Projecto Roquette, o quadro das culpas próprias que justificam a situação, financeira e desportiva, actual do Sporting. Dito de outro modo, tratei dos factores endógenos.
Não podemos, no entanto, perder de vista que os nossos adversários principais não estão dentro do nosso clube. Se o fizermos, com a paixão que é própria do futebol, arriscamo-nos a cair no mesmo tipo de armadilha em que se envolveram as claques. (Só para dar um exemplo, O Directivo XXI criou-se como dissidência da Juve Leo e houve um período – que, felizmente, parece por agora ultrapassado – em que o ódio entre as duas claques as fazia esquecer o motivo da sua existência – o Sporting – e se envolviam no mesmo tipo de lamentáveis agressões que de vez em quando ocorrem entre bandos de clubes diferentes).
Não esqueçamos que os nossos adversários são exógenos ao Sporting: são os outros clubes que concorrem connosco na obtenção de vitórias e da grandeza que estas necessariamente acarretam. Os nossos principais adversários são o Benfica e o Porto.
Como longamente descrevi em posts de Agosto/2006 (aqui, aqui e aqui) a disputa pela hegemonia do futebol português (a que se processa fora das quatro linhas) jogou-se em dois tabuleiros: batota nas arbitragens e/ou batota nos benefícios concedidos por entidades públicas (governo e autarquias).
Se o FCP entrou em grande no controlo dos organismos que dirigiam a arbitragem para começar o seu período de hegemonia (fins dos anos 70), não descurou a obtenção de fundos, sobretudo a partir do começo deste século e, mais marcada e definitivamente, com a nova era de construção de equipamentos, nas vésperas do Euro/2004. Muito do dinheirinho dos impostos cobrados aos munícipes do Porto serviu para privilegiar o clube na construção do seu Estádio. O FCP foi muito mais beneficiado pela autarquia que os seus congéneres de Lisboa, em processos que levantaram muita celeuma e acabaram como é normal em Portugal quando há interesses ponderosos (leia-se eleitores) em jogo: em águas de bacalhau. Mas também outro município veio a proporcionar de borla ao clube um benefício que os seus rivais tiveram de pagar bem caro: Gaia, que ofereceu (sim, é verdade, de borla) ao FCP um modelar centro de treinos.
Desta subversão da concorrência (isto é, batota) entre os três maiores clubes portugueses têm muito de que se queixar os de Lisboa: Sporting e Benfica. Mas o Benfica foi também muito privilegiado em relação ao Sporting. Assim, de repente, ocorrem-me estes casos:
- Recebeu de imediato o que resultou da permuta de terrenos com a Câmara, o que não aconteceu com o Sporting, que só agora (e num processo problemático e mal esclarecido) está a entrar em posse do que foi acordado; entretanto gastou milhões em juros (davam para comprar um Cardozo) do dinheiro que ficou a dever por não ter esse na sua posse;
- O escândalo das acessibilidades avaliadas em 2,5 milhões e pelas quais o Benfica recebeu (segundo denúncia do vereador José Sá Fernandes nunca desmentida) 8,1 milhões (quase dava para pagar outro Cardozo), parece que antes de a obra estar acabada; o Sporting, tanto quanto sei, nada recebeu a título de acessibilidades;
- Mas o escândalo maior foi o que Vilarinho protagonizou, ao recomendar o voto dos benfiquistas no partido político que, palavras dele, beneficiou o clube; pudera, o fisco, num processo que nunca foi devidamente esclarecido (deve ter ficado no deve/haver das benesses entre partidos do poder) perdoou ao clube, na época mais negra da sua história, uma dívida de 2 milhões de contos em juros de impostos (dava para comprar um terceiro Gardozo, e ainda sobrava), assim dando aos contribuintes a importante lição de que vale a pena ser caloteiro.

Mas não podemos ficar, numa de Kalimero, a lamentar-nos das malandrices que nos fizeram. Os nossos dirigentes têm também a sua dose de culpa, ao deixar que estas coisas aconteçam sem espingardar, fazendo os possíveis para impedi-las. Ou será que têm medo de mexer na merda, com medo de, também eles, saírem borrados?

O bom e o mau no Projecto Roquette (2)

Arrolei no post anterior sob este título os aspectos negativos do Projecto Roquette. Mas este projecto e, mais geralmente, a entrada em cena de Roquette, teve também muitos aspectos positivos para o Sporting. As ideias que vou agora desenvolver já eu postei há uns meses atrás:
- Continuo a achar que o nosso clube entrou numa nova era com Roquette: da era do populismo com patos-bravos como protagonistas, passou-se para um tempo em que pelo menos começou a haver projectos a ser executados e não sucessões de iniciativas casuísticas e gamanços daqueles que nunca se chegam a provar (com a excepção do do Vale). Como disse no citado post, “encaro a nossa fase Jorge Gonçalves como equivalente à fase Vale e Azevedo no Benfica; a fase Sousa Cintra equivale (em pior) à actual fase LFV deles”. Acho portanto que, se nós estamos mal, eles quanto a este aspecto (e não só) ainda estão pior. Não estou a defender que tenhamos chegado ao paraíso, mas com gestões do tipo populista ainda estaríamos na pré-história do séc. XXI.
- No aspecto do controlo das contas e dificultação dos desvios de fundos para proveito próprio, a constituição da SAD foi um instrumento importante, como venho defendendo (v. também os comentários do link). Como aí digo, não sou um entusiasta deste tipo de capitalismo aplicado ao negócio do futebol, mas acho que ele é inelutável e irreversível. E Roquette foi o primeiro a, percebendo isto, conseguir implementá-lo. Quando tratar do assunto “adeptos” procurarei dizer qual o tipo de resposta que estes (nós) podem dar para que o negócio não engula a paixão.
- No aspecto património, as vantagens são indiscutíveis: o Sporting possui actualmente um estádio moderno e funcional e um complexo desportivo em que funciona uma Academia que tem sido um viveiro de talentos elogiado por toda a Europa.

Mas, dir-me-ão, se é tudo assim tão bom porque é que estamos cheios de dívidas e nunca mais conseguimos entrar numa senda de vitórias?
Por dois tipos de razões: pela má gestão do Projecto (como em parte referido no post anterior sob o mesmo título deste) e pela batota feita pelos nossos mais directos adversários.
De facto, não era o Projecto que era mau, mas sim o modo como ele foi implementado. Como desenvolvi no post de Abril do ano passado atrás citado, “um dos aspectos do PrR que mais gritantemente falhou” foi o que tinha a ver com “a perspectiva de desenvolver negócios não desportivos lucrativos para, dizia Roquette, com os lucros gerados nesses negócios, o Sporting manter uma autonomia financeira que o tornasse independente da bola na trave”. Desenvolvia eu depois o exemplo do Copenhaga como um projecto semelhante que teve sucesso, para provar que a ideia não era má, em si. O problema está em que os portugueses não são como os dinamarqueses e o que resulta ali, pode não resultar aqui. A minha tese é de que aqui não resultou por defeito das pessoas que foram chamadas para implementar as ideias de negócio; foi isto que impediu as empresas para tal constituídas de terem sucesso. Assim, “à pala dos negócios extra-desportivos foram-se constituindo e desfazendo sociedades, pagando ordenados a administradores, gastando à tripa-forra o património do nosso clube”.

Já com isto escrito (e entretanto não publicado por eu ter tido problemas informáticos ao mudar de operador) tive conhecimento do Manifesto SCP – Mais e melhor Sporting, o qual exprime com muita exactidão o que penso acerca deste assunto. Transcrevo um resumo, com a devida vénia: “O Projecto Roquette errou na gestão. Exactamente aquilo que deveria ser a sua mais valia foi o seu maior pecado. Foi incompetente. Construiu-se um Estádio que em vez de gerar lucros gerou prejuízos. As empresas que deveriam gerar lucros geraram prejuízos. A área comercial, Alvaláxia, que deveria gerar lucros acumulou prejuízos. Os gestores «altamente profissionais» mostraram incompetência”.