quarta-feira, 2 de julho de 2008

Três perguntas sobre o Sporting. (1) O que é ser Sportinguista hoje?

Ser Sportinguista é pagar as quotas. Talvez seja a regra mais básica de definição do que é ser Sportinguista. Talvez pagar as quotas seja a prova de vida do Sportinguista, o acto supremo do Sportinguismo. Se o pagamento não for perdoado entretanto… Ser Sportinguista é ser sócio depois de ter sido proposto e depois de terem sido considerados satisfeitos “os condicionalismos prescritos” nos Estatutos para o efeito. Ser Sportinguista é participar nas Assembleias Gerais, intervir, votar e propor a admissão de outros Sportinguistas. Ser Sportinguista é honrar o Clube e defender o seu nome e prestígio. Ser Sportinguista é cumprir e observar as disposições dos Estatutos e regulamentos do Clube, é poder eleger, ser eleito ou nomeado para o exercício de cargos no Clube e exercê-los com “exemplar conduta moral e cívica”. Ser Sportinguista é também manter uma exemplar conduta moral e cívica na vida, no interesse do Clube.
Estatutariamente, ser Sportinguista é isto tudo.
Ser Sportinguista hoje é ainda cumprir a tradição do pai ou do avô. E se sobrar algum dinheiro no meio da crise que por aí vai…, ser Sportinguista é também comprar a Gamebox, mesmo sem ser sócio, e assistir ao vivo, em Alvalade, aos jogos, tornando-se assim uma espécie de sócio de imitação. Ser Sportinguista é assistir aos jogos em que as equipas do Sporting estejam envolvidas também noutros campos , ou num qualquer café ou bar, através da televisão. Ser Sportinguista é ouvir o relato da bola na rádio, quando não podemos estar presentes, ou quando não podemos pagar o canal que transmite o jogo. Ser Sportinguista é ter o privilégio de ser bombardeado pela propaganda dos “parceiros” do Sporting que transmitem a ilusão que estão a “ajudar” o Clube. Ser Sportinguista é também gastar o último dinheiro da conta bancária para ir a um qualquer estádio por essa Europa fora acompanhar o Sporting. É vibrar com as últimas aquisições da pré-temporada. É lembrar os 102 anos de existência do Clube e comover-se. É coleccionar objectos, dados e estatísticas sobre o Sporting e ser feliz por fazê-lo.
Mas, ser Sportinguista é também ser accionista da SAD. Na prática, ser accionista constitui, aliás, o modo mais inequívoco de ser Sportinguista hoje, a maneira de intervir mais directamente no futuro do Clube, mormente se o peso das acções detidas tiver significado, já que isso dita um exercício real de controlo da sua vida prática de todos os dias, um controlo de que o comum dos Sportinguistas, sócios ou adeptos, está totalmente arredado.
Ser Sportinguista é ser tudo isto e certamente muito mais.
Ser Sportinguista hoje é dizer-se Sportinguista, parecer Sportinguista, ou simplesmente ser efectivamente Sportinguista, na forma ou no conteúdo.
Uma enorme manta de retalhos isto de ser Sportinguista hoje. Uma realidade complexa feita de pequenos e grandes gestos e comportamentos, mais ou menos consequentes, mais ou menos significativos, mais ou menos determinantes para o futuro do Clube. Mas, o Sporting Clube SAD, sobrevive, na sua essência, dos pequenos gestos, das atitudes mais inconsequentes e de pouco significado e dos comportamentos mais anódinos. O Sporting são os pequenos Sportinguistas. Os grandes Sportinguistas estão a recato...

Ser Sportinguista hoje é uma fonte de um cada vez mais insustentável empenhamento e despesa, mas é também uma fonte de apetitosas receitas. Ser Sportinguista é uma fonte de conflito de princípios e é uma fonte de intricados e mais ou menos obscuros jogos de interesses.
Em nome do Sporting, por nos dizermos Sportinguistas, por “sermos” Sportinguistas hoje, torna-se, por exemplo, legítimo e possível acabar com o Sporting. Em nome do Sporting e do Sportinguismo é hoje legítimo e possível mandar os Estatutos e o espírito inequivocamente neles expresso às malvas, usar essa prerrogativa para esmagar, justamente, todos os princípios pelos quais se rege o Sportinguismo. Por sermos Sportinguistas é hoje legítimo e possível afrontar com impunidade os outros Sportinguistas e destruirmos o Sportinguismo deles!
Ser Sportinguista hoje é calar, ou, no mínimo, ter de baixar a voz para que a voz dos Sportinguistas se levante. Ser Sportinguista é poder usar os Sportinguistas. Ser Sportinguista é ter a liberdade de dar contornos ao Sportinguismo que de Sportinguismo já nem o nome retêm.
Se aparecesse alguém que conseguisse conciliar todos estes “sabores” de Sportinguismo ainda se poderia dizer que haveria alguma esperança de que todas estas aparentemente insanáveis e até por vezes risíveis contradições se resolveriam e tudo isto não nos deixaria o travo amargo do sacrifício feito em vão. Como, porém, isso não parece coisa plausível, ser Sportinguista hoje (pelo menos na minha perspectiva) transformou-se num exercício penoso que me deixa muitas dúvidas.

(continua)