A imprensa tem um papel fundamental numa sociedade democrática. Tenho disso uma quase certeza (digo "quase" porque engano-me muitas vezes e raramente tenho certezas...). Como leitor de jornais tenho a noção de que este papel é desempenhado de forma cada vez mais frequentemente canhestra e guiada por motivações cada vez mais obscuras. A mim, parece-me que os chamados "critérios editorais" se assemelham cada vez mais a um eufemismo que significa na realidade "obediência ao patrão."
Tenho todo o direito e todas as razões para pensar assim.
Há dias, como é sabido, o STJ condenou o Público a pagar uma indemnização ao Sporting por causa da famigerada notícia da pretensa dívida fiscal.
Esta condenação motivou imediatamente uma reacção irada por parte do Público, juntamente com outros orgãos de comunicação social e de uma data de escribas de serviço, do quadro e avençados. O argumento que nos quiseram impingir foi o de que afinal os factos noticiados eram verdadeiros (o Público escrevia "Apesar de o Supremo ter admitido que a notícia é verdadeira"), mas o pobre jornal era ainda assim condenado. A liberdade de imprensa, reclamaram em uníssono, está ameaçada. Depois deste acordão vem aí o dilúvio, asseguraram todos com ar severo.
Desde o início que tudo isto me cheirou mal. Para além de me ter parecido haver um desajuste entre os meios e os fins, as reacções que se seguiram depois de termos conhecimento do acordão pareceram-me, sinceramente, ser de índole meramente corporativa. Por outro lado, lendo e relendo o acordão, não se consegue perceber onde está a prova de que a matéria de facto é verdadeira. Finalmente, lendo os argumentos de todos os que se atiraram à decisão do Supremo, não se consegue perceber de que forma a pretensa dívida do Sporting consegue colocar a liberdade de imprensa em perigo. Francamente, eu não consigo imaginar como poderá este caso do Sporting levar a imprensa a ficar numa situação pior do que aquela que a própria imprensa já criou para a si própria, que a conduziu a um estado de destruição quase completo do que sobrava da sua credibilidade...
Imediatamente a seguir a termos tido conhecimento do acordão, a Direcção emitiu um comunicado no qual se diz, preto no branco, que "o Sporting não devia nem nunca deveu os noticiados 460 mil contos ao fisco... Lamenta-se por isso que a análise ao Acórdão do STJ sobre a matéria esteja a assentar nos pressupostos da veracidade e da excelência do trabalho jornalístico, quando nem um nem outro são verdadeiros." Mais afirma o comunicado que "em parte alguma do processo, quer nas decisões de primeira e segunda instância, quer na decisão do STJ, ficou provado que a notícia do Público fosse verdadeira. (...) Pelo contrário, a sentença da primeira instância, que fixou definitivamente os factos, é claríssima quando afirma que o Público e os demais jornalistas réus não fizeram prova da efectiva existência desta dívida."
Ora há aqui umas quantas contradições e alguns pormenores que merecem a nossa atenção...
Em primeiro lugar, digam-me os meus amigos se acham que um caso destes terá sido puxado para manchete de forma inocente. Por que razão coube ao Sporting esta distinção? Por que razão uma pretensa dívida fiscal, prontamente desmentida, do Sporting merece tamanho destaque? Não haverá outras instituições e empresas com situações fiscais bem mais conturbadas? Será este um assunto, de facto, assim tão, tão momentoso que mereça honras de manchete no Público? Se eu fosse maldoso não iria hesitar em pensar que este arsenal todo atirado contra o Sporting traz água no bico... Não sou maldoso, mas analisando as manchetes do Público e confrontando-as com o efectivo grau de interesse da matéria que as determina, tenho de concluir que, ou foi esta que escapou, ou são as outras todas que foram engano...
Em segundo lugar, depois do comunicado emitido pelo Sporting, seria de esperar que as vítimas desta injustiça, ou seja, a imprensa e o Público em particular, se concentrassem na demonstração inequívoca de que os argumentos do comunicado do SCP são falsos. Ao invés disso vemos uma ladainha, feita de palavreado oco ou bacoco, conforme os gostos, contra o estado da Justiça em Portugal, sem que consigamos vislumbrar um único argumento de peso, nenhuma opinião que contradiga, inequivoca e frontalmente, as afirmações perfeitamente claras e objectivas que o Sporting exprimiu no seu comunicado.
Ainda hoje o comentador António Barreto, de quem se esperaria um outro tipo de rigor, se atira de forma assanhada ao Sporting. Diz ele que "é natural concluir que esta decisão [de condenar do Público] terá efeitos nefastos para a imprensa e para as liberdades públicas, pois acaba por assumir o carácter de intimidação." O desfecho do caso das dívidas do Sporting acaba por assumir carácter de intimidação...?! Porquê?!! Que raio de conclusão é esta?!! O que leva o sociólogo António Barreto a juntar-se ao coro esganiçado que se levantou contra o Sporting e, mandando às urtigas a sua formação científica, atirar-se contra o Sporting? Porque não refere os argumentos do Clube para os desmontar como seria seu dever, se quisesse ser rigoroso?
Não quero acreditar que a contundência do discurso se destine afinal a servir o seu empregador, mas até parece...
Tenham juízo.