quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

A solução "à espanhola"

Toda a gente anda para aí a comentar o caso do Beira Mar, vendido a um grupo de investidores espanhóis à revelia de qualquer consulta aos sócios.
Pelo que se sabe, o presidente do clube acha bem porque o futebol português está mal e isto é uma solução "estrutural" para aguentar a agremiação aveirense. O clube está salvaguardado. É estranho que o clube esteja salvaguardado através de uma decisão estrutural que ignora os sócios. Caetano Alves terá de explicar, antes de ir para a guilhotina, como é que o Beira Mar fica defendido quando tripudia sobre os sócios que constituem o clube!
Os espanhóis, pasme-se!, estão dispostos a abrir os cordões à bolsa e investir num clube português, mesmo que o nosso futebol esteja mal, como diz o presidente do Beira Mar. Fazem-no, claro, na defesa dos seus interesses e ignorando totalmente o clube e a sua gente.
Os sócios do Beira Mar são apanhados nesta teia sem capacidade de reacção. As debilidades do Beira Mar (esta solução "à espanhola" não é novidade e já foi usada de forma desastrada por outros clubes com debilidades idênticas) tornam-no presa de soluções milagrosas com esta.
Nenhum clube está livre de uma solução deste tipo. Nem o Sporting! A diferença num caso desses estaria sempre na escala e na maior ou menor elegância da solução.
Mesmo em países mais ricos, em campeonatos mais importantes, onde os clubes têm um poder muito maior, se verifica que, volta não volta, lá vem uma solução do tipo "à espanhola" (ou "à americana" ou "à russa"!) para sanear financeiramente este ou aquele clube em crise. A "crise" e as "crises", por outro lado, nunca parecem deter os investidores e o futebol parece sempre dar para investir mais uns milhões...
E, face a este tipo de "soluções" também assistimos, felizmente, às reacções saudáveis dos adeptos, como foi o caso que aqui referimos há tempo do F. C. United of Manchester.
O que verificamos, nestes casos como o do Beira Mar, é um total desprezo pela voz dos adeptos. São completamente ignorados nas decisões "estruturais" que as direcções tomam para sanear os clubes caídos no fosso. Mas, é a sua presença, o seu clubismo e as receitas directas e indirectas que geram que os novos senhores tentam captar e que se revelarão cruciais para o sucesso destas "soluções". A situação destes dirigentes dos clubes, parece a de certos governantes perante o fenómeno da globalização. São simples paus mandados, mascarados de dirigentes legitimamente eleitos... A guilhotina, neste caso, seria um verdadeiro perdão!
Mas, há que falar também dos adeptos. Quanto a estes, é tempo de começarem a tomar consciência de alguns factos que lhes deveriam merecer séria reflexão.
O futebol implica dos adeptos o envolvimento numa engrenagem que os transcende, claramente. As exigências, por vezes manifestamente exageradas, que estes fazem dos seus clubes estão em flagrante contraste com o tipo de benefícios que colhem desta sua "paixão". É, em parte, isto que leva à espiral da crise e da "solução à espanhola", que acaba por não ser solução para nada, a não ser para os cofres dos investidores e restantes intermediários que gravitam, oportunisticamente, à volta deste universo. Que já viram há muito que por ali podem entrar à vontade porque a "malta", pelo clube, lá vai fazendo o sacrifício que fôr necessário.
Mas, qual é no final a contrapartida?
O futebol é sustentado pelos adeptos, e unicamente pelos adeptos, de forma directa ou indirecta. Não são os jogadores, nem os dirigentes, nem os patrocinadores, nem as televisões que pagam os milhões de milhões que circulam na economia do futebol!!
Os "agentes" do futebol não podem ignorar isto, é verdade. Mas, os adeptos também têm de questionar a vulnerabilidade da situação em que os seus clubes se metem, por vezes, por causa da sua pressão. E têm de se perguntar se a "clubite", de que frequentemente, pelas mais variadas razões, se deixam facilmente possuir é sustentada, se a bota jogará com a perdigota e se estarão a pagar um preço justo pela sua "doença"...