quarta-feira, 19 de março de 2008

Fildelidade ou consumo

Os que por aqui passam e fazem o favor de me ler já terão percebido que não morro de amores pelo génios do marquetingue que hoje mancham a paisagem Sportinguista.
O marquetingue é uma actividade onde infelizmente aparece muita gente oca e fútil e os que nos calharam em rifa não parecem fugir a esta regra.
Dizem os cânones do marquetingue que a fidelidade do consumidor é um bem inestimável para uma empresa, que é muito mais fácil servir e manter um cliente fiel. Dizem também que a fidelidade a uma marca é um valor difícil (oneroso, tecnicamente complexo) de alcançar e que, portanto, é mais fácil uma empresa actuar junto do mercado pela via dos produtos do que pela via da conquista da fidelidade dos seus clientes. Não será difícil a qualquer um de nós pensar em marcas e empresas que optam por uma ou outra estratégia e não será igualmente difícil imaginar as consequências que uma ou outra opção terão para cada uma delas.
A empresa gasolineira nos postos da qual habitualmente abasteço o meu carro tem desde há anos preocupações expressas no domínio do ambiente. Prefiro-a porque a associo a uma empresa limpa. Tem um cartão de pontos. Há anos que acumulo dezenas de milhares de pontos que nunca resgatei. Mas, continuo a abastecer-me junto dessa empresa porque me identifico com os princípios ambientais que perfilham e isso basta-me. Sou fiel por causa disto. A minha fidelidade levou anos a construir e deve ter custado balúrdios à dita empresa.
Ora, nos clubes desportivos a fidelidade é um (é "o"!) ponto de partida, é um dado adquirido. Parecerá pois totalmente bizarro que enquanto as empresas procuram transformar os seus clientes em clientes fiéis (e só não o fazem mais porque isso é caro), os clubes desportivos procurem, de forma pertinaz, destruir a fidelidade dos seus membros com o objectivo de os transformar em vulgares consumidores.
É certo que não é o Sporting o único a padecer deste mal. Mas, o Sporting é o tal Clube "diferente" e é-o talvez porque os seus membros são os mais fiéis, os menos volúveis e os menos sujeitos às flutuações da conjuntura. Não deixa, pois, de ser chocante, verificar que a esta fidelidade incondicional os responsáveis brinquem connosco, contrapondo receitas que apenas buscam um hipotético, episódico e, seguramente, irrelevante aumento de vendas, deixando escapar por entre os dedos fidelidades antigas, verdadeiramente sem preço, que se traduzem na receita estável que qualquer empresa almejaria.
Os exemplos de tiros no pé dados pelos gurus do marquetingue são inúmeros. O mais recente é o do novo cartão. Um cartão do Sporting é para qualquer Sportinguista, mais do que um cartão de membro de um clube: é um factor de distinção e de orgulho. Para mim, o cartão é um objecto quase sagrado! Não são necessárias mais mariquices nenhumas adicionais para eu ter um orgulho infinito no meu cartão. Um cartão do Sporting é o verdadeiro cartão dourado!
Um cartão do Sporting que dê pontos, que permita comprar pipocas num cinema ou uma qualquer patetice do género é uma verdadeira atentado. Pior: raia a provocação e a heresia! Brinca com sentimentos profundos, com as raízes mais fundas do meu Sportinguismo. Ofende a minha fidelidade.
Como podem os actuais gerentes do Sporting mostrar aquele contentamento, que se aproxima da boçalidade quando achincalham assim, implicitamente, os meus sentimentos?
Curiosamente, num verdadeiro acto digno do movimento surrealista, os mesmos que fomentam a pipoca e um cartão folclórico andam agora afadigados a promover o tal "congresso", uma iniciativa de cosmética de que afinal só poderão resultar, quando muito, meros, escassos e magros retoques nas fidelidades de alguns Sportinguistas? Fidelidades que de ordinário são completamente malbaratadas...
Vá-se lá entender esta gente.