terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Toca a reunir!

O futebol é uma coisa simples: há um confronto entre duas equipas (que se defrontam de acordo com um conjunto muito preciso e simples de regras) e cada uma destas equipas constitui, para os respectivos apoiantes e opositores, um símbolo.
É assim, não há que tornar obscuro o que é claro como a água.
A nossa equipa é a "nossa" equipa e defronta a outra. A "outra" é o adversário. Neste confronto vale tudo desde que esteja dentro das regras estipuladas, que os participantes aceitam tacitamente. Nada mais simples.
Ora, no futebol tudo é cada vez mais complicado. Cada vez mais a nossa equipa se confunde com a equipa adversária. Deixámos há muito de saber quem são verdadeiramente os nossos adversários. Vemos o jogador A num dia a jogar com a camisola do nosso clube, para o vermos tempos depois a jogar com a camisola daquilo que era suposto ser o nosso opositor e o jogador B, que a gente verberou furiosamente quando jogava pelo clube que se nos opunha, a jogar com a camisola do nosso clube. Por sua vez, vemos o clube A a ser dirigido por um cavalheiro que, tempos depois, vai dirigir o clube B. O dirigente do clube B, era, afinal amigo do dirigente do clube C, e ambos partilhavam negócios, que também envolviam o agente X, que tempos depois vai para dirigente do clube D. Vai-se a ver e todos, A, B, C e D ganham milhões e têm contas na Suiça.
Podemos ver também o dirigente do clube A e o do clube B a serem controlados pelo mesmo figurão, amigo dos dirigientes de A, B, C, D, etc que, entretanto, comprou tudo, incluindo os direitos de controlo desses clubes, e trata os clubes como se estivéssemos perante produtos diferentes que se propoem nas prateleiras de um supermercado ao distraido consumidor. Finalmente, vemos a empresa E apoiar a nossa equipa e a equipa do adversário, na frente e nas costas da camisola, enquanto a empresa F apoia o adversário e a nossa equipa nas costas e na frente da camisola deles, para disfarçar. Confrontam-se as equipas no campo, mas o patrocinador está garantido. Ganha sempre.
Todas estas bizarrias provocam nos adeptos --que pensavam e pensam que tudo isto era bastante mais simples-- uma muitas vezes não explícita, mas, seguramente, grande sensação de desconforto. Então isto não era uma coisa simples?! Volta não volta, salta-lhes a tampa e de uma forma mais ou menos civilizada, mais ou menos exuberante, lá explicam a quem torna obscuro o que é claro como a água que o futebol é, afinal, uma coisa extremamente simples.
Como se tudo isto não fosse suficientemente complicado (e há outros factores que eu estou aqui a omitir por uma questão de economia do ciberespaço...), a confusão que grassa no nosso Clube do coração, caríssimo e habitual leitor do KL, já indicia que entrámos em situação de alerta laranja. Nós pensávamos que a coisa era simples. Assistíamos aos desafios, cachecóis em punho, camisolas vestidas, o grito de apoio nas gargantas pronto a saltar. Os jogadores lutavam contra as outras equipas, nós apoiávamos porque o Sporting constitui, para nós, o símbolo do fair play, do ideal desportivo, da luta leal mas empenhada, etc. Se a nossa equipa ganhava, ganhavam os bons, e era o triunfo dos nossos ideais. Se ganhava a equipa adversária, ganhavam os maus e era a derrota desses ideais. Era por isto que apoiávamos a equipa. Particularidade não despicienda: por fazer o favor de apoiar a equipa ainda nos obrigávamos a dispender o valor do bilhete, do bilhete de época, da quota, da quota suplementar, do lugar de leão, da "game box", eu sei lá!
Entretanto, a coisa começou a dar para o torto.
Para além daquelas confusões que referi de início (que fazem com que andemos sempre nas bocas do mundo e irritantemente envolvidos em guerrinhas de alecrim e mangerona), o dinheiro que todos nós dispendemos generosa e abundantemente, deixou de chegar para pagar a jogadores decentes e o dinheiro que os patrocinadores "investem" também desaparece como fumo... Tudo isto é bizarro, muito bizarro.
Entretanto, os dirigentes dizem-nos que não nos podemos dar ao luxo de comprar jogadores que façam aquilo que a gente quer ver: jogar à bola! Isto porque os jogadores que jogam à bola são caros. Resta-nos "criar" jogadores para constituirem a base da equipa. Chamaram a isto "o projecto". O objectivo do projecto seria o de ir tendo os jogadores formados no Clube a desmamarem-se nele, desportivamente falando, para serem depois vendidos, proporcionando bons lucros e permitindo a aquisição de outros jogadores que garantissem o normal curso dos acontecimentos. No entanto, verifica-se que os bons jogadores são raros, os potenciais lucros são limitados vis-a-vis as necessidades de cabedais do Clube e, se são verdadeiramente bons, saem antes de nós podermos obter da sua venda o lucro que ambicionávamos. Isto porque o Sporting não tem margem de manobra suficiente para conduzir as negociações a este nível. Uma equipa sem grande estatuto, eternamente fora dos grandes palcos, ausente das grandes montras, está condenada a um papel de embrulho em todo este processo.
Entretanto, como os jogadores da casa não chegam para formar uma equipa de qualidade há que ir buscar "reforços". Como os jogadores que constituem a base da equipa são novos, falta-lhes experiência e serenidade para lidar com as situações de pressão em que foram, quase maliciosamente, diria, colocados. Os meios são escassos, e assim os "reforços" que nos saem na rifa, ou não correm, ou vêm com defeito. Se têm experiência, não têm ou perderam a qualidade. Não cumprem o papel de agentes de equilíbrio que era suposto terem. Passam a fazer parte do problema em vez de fazerem parte da solução.
Por outro lado, por mais que se poupe, os recursos parecem nunca chegar. Mesmo com o uso de jogadores feitos na casa e compras de jogadores de terceira escolha, o dinheiro parece voar sempre a grande velocidade. A solução é vender tudo o que seja vendável. Vão os anéis, os dedos, irão certamente as mãos e os braços.
Resultado de tudo isto: o Sporting não viu o padeiro durante 18 anos, vislumbrou-o fugazmente, mas voltou a entrar na espiral da derrota. Neste momento prepara-se já para fazer as malas e arrumar a época. Já foram as Europas, o campeonato está na iminência de terminar e iremos certamente acabar a época a lutar por um lugar numa qualquer competição europeia, para dela sermos eliminados, como é costume, sem honra nem glória. E recomeçar o ciclo infernal enquanto tudo isto se não desmorona de vez.
Mais um empate ou uma derrota e o treinador vai ser crucificado. Os jovens que em Setembro eram os novos Figos vão ser queimados na praça pública, assobiados e vilipendiados. E a rapaziada que foi contratada para fortalecer a equipa irá experimentar o inferno de Alvalade.
Esta situação tem repercussões nesta época, mas também já se projecta no futuro. Para o ano, com a prestação indecente do Sporting desta época, com a desencanto que se instalou, as "gameboxes" nem dadas. A desmotivação e o divórcio dos adeptos sentem-se por todo o lado e vão acentuar-se.
Isto porquê?
Porque o futebol é uma coisa simples: há um confronto entre duas equipas (que se defrontam de acordo com um conjunto muito preciso e simples de regras) e cada uma destas equipas constitui, para os respectivos apoiantes e opositores, um símbolo. É assim, não há que tornar obscuro o que é claro como a água.
Qualquer acto de gestão, qualquer tomada de decisão técnica, qualquer "projecto" que não tenha esta verdade singela em conta está condenado a fracassar liminarmente. Não é preciso nenhum curso de gestão para perceber isso. Por muito alto que falem os seus autores, por muitos holofotes que os iluminem, por muita gravata hermès que usem e por muito porsche em que se façam deslocar o "projecto" que nos foi proposto para o Sporting revelou-se um enorme fracasso.
Por muito grosso que falem vão ter de prestar contas. E a voz dos adeptos, apesar do desrespeito de que habitualmente é alvo, vai acabar por se fazer ouvir. Ainda mais grossa do que a deles.
Avizinha-se borrasca e da grossa e por isso vos digo: toca a reunir!
Preparem os vossos argumentos.