quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A questão da SAD

A propósito da existência de uma SAD no Sporting devo dizer que não estou nada de acordo com o que Master Lizard vem defendendo no KL.
Não porque eu seja um grande simpatizante da via do grande capital no seio dos clubes desportivos. Tenho aqui uma posição do tipo da que toma o aristocrata de “O Leopardo”, esse extraordinário filme de Visconti: o conde Tommaso di Lampedusa defende a nova tendência mais “democrático-burguesa”, o que parece completamente contra natura. Simplesmente o que ele tem é a clarividência de perceber que o que está em causa é a própria sobrevivência da aristocracia e que só assim é que a consegue garantir.
As SAD são, de facto, uma mistificação. É como se fossem instituições de capital de ponta, mas não passam de maneiras de angariar fundos junto dos adeptos. Estes contribuem para os respectivos capitais comprando acções, por amor ao clube do seu coração. Tirando os especuladores bolsistas, para quem nada interessa se uma acção está cotada acima ou abaixo (no nosso caso muito abaixo) do valor facial porque o que lhes interessa é comprar em baixa e vender mais alto que o que compraram (ou seja, a especulação), ninguém comprou acções do seu clube para com elas ganhar dinheiro. Comprar acções é, pois, uma espécie de esmola que os adeptos dão ao seu clube. (É por isso que afirmações do tipo das que Soares Franco proferiu, de que espera em breve distribuir dividendos aos accionistas da SAD, não podem ser encaradas senão como manobra propagandística; se não for assim, é pior, como tentarei demonstrar.)
Como é que começou a era das SAD? Estava-se numa época em que havia que dar o salto de clubes financiados pelos governos (à pala da “utilidade pública”) para entidades autónomas. No Sporting, foi o tempo de arranque do Projecto Roquette. Este projecto envolvia o investimento de avultados capitais. Como financiá-lo? O Projecto Roquette continha em si os meios de financiamento, que passavam pela constituição de uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD). Também nisto, como em tantas outras coisas, o nosso clube foi pioneiro, graças a Roquette e ao seu projecto. A SAD do Sporting foi precursora de um movimento que se havia de tornar inelutável; foi por isso imitado pelos outros dois grandes clubes rivais e, em seguida, por muitos outros.
Foi, pois, com esta manobra de constituição da SAD que o Sporting angariou alguns capitais próprios e uma credibilidade para obter empréstimos junto da banca. O que lhe permitiu entrar na via moderna quanto a instalações desportivas: estádio e academia de futebol.
As SAD têm uma outra vantagem: ao contrário do que possa parecer pelo seu nome (Sociedade Anónima Desportiva), as SAD são instrumentos de controlo dos clubes pelos adeptos. Isto se, como é o caso no Sporting (nos outros clubes também, nuns mais, noutros menos), os estatutos previrem uma blindagem da maioria das acções afectando-as ao próprio clube. Não podendo ser vendidas, as acções estarão sempre nas mãos do clube, o que permite o controlo da SAD pelos sócios do clube, em Assembleia Geral. Isto é, no Sporting, mais de metade das acções não são anónimas: pertencem ao clube.
Há ainda outra enorme vantagem das SAD cotadas em Bolsa: é que a gestão se torna mais transparente em virtude de as administrações serem obrigadas a tornar públicos os actos de gestão mais significativos. É assim que os adeptos e o público em geral ficam a saber, por exemplo, quanto é que se deu por determinado futebolista.
Por último, não acho que seja possível, hoje em dia e face à actual legislação, regredir no caminho das SAD. Para lá do problema que seria, de repente angariar capital para devolver aos accionistas o valor das suas acções, o clube que fizesse essa regressão colocar-se-ia nas mãos dos futuros dirigentes que elegesse. Duvido que houvesse quem se candidatasse a isso: é que, por lei, os dirigentes de clubes que não têm SAD são pessoalmente responsáveis pelos eventuais prejuízos.
O que fica dito não significa que não tenhamos de estar atentos às manobras que os dirigentes tenham em intenção fazer com a SAD, o clube e o seu património.
O que Filipe Soares Franco apresenta como estratégia de recuperação financeira do clube passava pela alienação do património não desportivo, mas não só. Ele pretende fazer um aumento de capital (por outras palavras, solicitar mais esmolas junto dos adeptos) e alienar uma percentagem significativa das acções detidas pelo clube, pois diz que não é preciso deterem-se 51% das acções (como acontece hoje) para se garantir o controlo da instituição.
Para obter clientes para estas operações FSF pretende valorizar as acções, torná-las apetecíveis junto do mercado. Chegamos então ao mais grave disto tudo: o presidente quer descapitalizar o clube, passando o seu património (estádio e Academia) para a SAD!
Em vez de nos distrairmos com uma inglória luta pela reversão do caminho da SAD temos é de tomar atenção a este tipo de operação, a qual pode ser muito útil no imediato, mas representa o empobrecimento (irreversível?) do nosso clube.

9 comentários:

  1. Mas mesmo que passe o estádio e a academia para a SAD, e sou absolutamente contra isso, o Soares Franco não consegue valorizar a SAD para conseguir um encaixe financeiro significativo num aumento de "capital", de modo a baixar o passivo para 150 milhões de euros. As acções da SAD estão num mínimo histórico, e não é só por causa da época desastrosa dentro do campo que o Sporting está a fazer. Olhando desapaixonadamente para o que se passa na SAD do clube, quem no seu perfeito juízo investe dinheiro numa organização que é uma completa barafunda? A imagem que se dá é de uma incompetência e passividade totais. Lógicamente que o mercado está a punir isso.

    A única maneira de valorizar as acções, pelo menos temporariamente, seria ganhando o campeonato. Mas o Sporting já não o consegue há seis anos e as perspectivas para os próximos são muito más. Estamos outra vez descapitalizados como no final dos anos 80, em que tínhamos um orçamento e um plantel muito inferior ao dos adversários. Esperar que os restos do projecto Roquette resolvam a crise é um absurdo. Quanto mais tempo lá estiverem, mais estragam. O mal está feito! E o mais grave é que ainda há quem não tenha consciência do quanto o Sporting regrediu por causa disto tudo.

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  2. Há imensos exemplos de clubes --alguns bem poderosos-- geridos com rigor, inovadores, que mantêm os seus princípios e a sua organização sem que exista uma SA por trás.
    Não vejo, em geral e em princípio, qualquer correspondência entre rigor de gestão e presença na bolsa e não vejo (eu, pessoalmente, mas pode ser das lentes...) qualquer benefício prático originado pela criação da SAD do Sporting. Até agora a utilidade desta fórmula é questionável. Se benefício houve foi para alguns boys que assim arranjaram uns jobs simpáticos, sei lá...
    Mas, neste como noutros casos, a avaliação deveria ser feita pelos sócios. É tempo de avaliações e a fórmula deveria ser profundamente analisada e referendada.
    Não é assunto tabu, não é uma questão que colida com os princípios Sportinguistas, não é nenhum dogma intocável.
    É matéria do domínio puro e simples da gestão e deve ser avaliada com simplicidade e frieza.

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  3. Concordo quando diz que as SAD's permitiram tornar mais transparentes as contas dos clubes, e do Sporting em particular, mas se tem frequentado as Assembleias Gerais do clube deve ter observado que a SAD é-nos apresentada como um órgão quase autónomo do clube e as contas que são entregues nos relatórios em Assembleia não podiam ser mais rídiculas, na medida em que são agregadas sob items tão generalistas que não permitem perceber nada, e são depois misturados com listas de títulos e de sócios honorários. Teoricamente a coisa até podia funcionar, mas estou com o Master Lizard quando diz que uma gestão racional pouco ou nada tem que ver com a criação de SAD's. Mais ainda, um dos argumentos para a criação da dita foi reduzir o passivo a zero. Se o estádio e a academia custaram na pior das hipóteses 120 milhões, isso significa que nestes dez anos de gestão racional acumulámos prejuízos de exploração de 150 milhões. Muito mais do que nos restantes noventa anos de história. Para finalizar relembro que apesar de os sócios terem comprado acções, no momento em que o clube começar a dar lucro, esse não será reinvestido mas redistribuido, o que significa tirar dinheiro do clube.
    Quanto ao que se deve fazer deixo este exemplo de Inglaterra:

    http://www.supporters-direct.org/

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  4. Excelente post.

    De facto as SADs podem trazer maior transparência, o que até à data não tem sido o caso... os relatórios e contas são demasiado genéricos e o crescimento do passivo (apesar da venda de tanto património!) tem de ser justificado pelos senhores que lá estão há anos, e nos quais não tenho nenhuma confiança.

    Tal como achei que a venda do edifício Visconde de Alvalade e do Alvaláxia foi um enorme erro que deu cobertura aos actuais dirigentes, a passagem do estádio e Academia para a SAD tem de ser impedida, não se podem vender mais anéis...

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  5. Obrigado Luizinho pela dica sobre o Supporters Trusts Initiative. Esta e outras inicitivas demonstram a iniciativa (passe o pleonasmo!) dos adeptos. Já muitas vezes aqui disse que o futebol tem razões que a razão desconhece. Aplicar-lhe certas fórmulas feitas poderá significar matar o doente da cura.
    Está provado que a iniciativa funciona. Resta saber se em Portugal há iniciativa e capacidade para a organizar...
    Ao olhar os líderes ficamos com dúvidas sobre os liderados...

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  6. Também eu fui ao site recomendado por Luisinho, a quem agradeço a indicação. Nele se expressam notícias sobre essa entidade sem a qual não existiria o fenómeno futebol, mas da qual os poderes deste parecem não necessitar para tomar decisões: os adeptos. Lá (Reino Unido) como cá.
    É um bom exemplo para o nosso país.
    Particularmente no nosso clube os dirigentes parecem encarar os adeptos mais como um empecilho às tomadas de decisões do que como alguém a ter em conta. Fico com a intenção de voltar ao tema, pois é uma das questões sobre a qual mais ponho em causa a prática dos nossos actuais dirigentes.

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  7. Relendo o teu post ó Raul, eu não consigo perceber de facto como é que tu podes afirmar com tanta convicção que não estás de acordo comigo quanto à extinção da SAD...
    Tens de me explicar de forma convincente como é que aceitas a Sporting SAD e depois escreves:

    "As SAD são, de facto, uma mistificação. É como se fossem instituições de capital de ponta, mas não passam de maneiras de angariar fundos junto dos adeptos."

    Há algo aqui que não bate certo. Ou sou eu que estou a ver mal...?
    E dizes mais:

    "ninguém comprou acções do seu clube para com elas ganhar dinheiro. Comprar acções é, pois, uma espécie de esmola que os adeptos dão ao seu clube."

    Em que é que isto contradiz a minha opinião que a SAD não é uma coisa viável sem o Clube e que a sua criação não se faria se não fossemos nós, os lorpas do costume, a suportar tudo isto?! Não seria mais transparente colocar o preço das quotas a um nível realista e envolver os sócios de uma forma que não cheirasse tanto a golpada?

    E o que é que há de "credível" no facto de ter sido:

    "(...) com esta manobra de constituição da SAD que o Sporting angariou alguns capitais próprios e uma credibilidade para obter empréstimos junto da banca. O que lhe permitiu entrar na via moderna quanto a instalações desportivas: estádio e academia de futebol."

    E que via moderna é esta?! 250 M € de défice, dos quais 120 M € à conta do dito estádio e academia é isto a "via moderna"? Explica lá que eu continuo a não perceber... Ou será que então isto é que é a "via verde"?

    Com estes argumentos eu continuo a não ver como é que a luta pela extinção da SAD pode ser inglória. Pelo que tu próprio escreves tem afinal todo o cabimento.

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  8. Bem, Master, será que leste mesmo o artigo todo? É que ele tem uma estrutura e não se pode respigar só o que vai numa determinada direcção esquecendo o resto.
    Portanto, antes de leres o resto deste comentário, peço que leias o artigo outra vez, mas como um todo.

    No artigo procuro dizer o que acho que há de contraditório, ou mesmo "perverso" nas SAD, passando a enumerar o que há de vantajoso nelas, para terminar dizendo que acho que são inelutáveis, isto é, que elas têm mesmo de existir, quer queiramos ou não. É por isso que a minha posição é comparável à do "Leopardo": tenho de as tolerar, porque não há outro remédio.
    Termino o post dizendo que em vez de estarmos a ter uma discussão que me parece improdutiva (porque inelutável), devemos centrar-nos sobre um assunto que, segundo a minha previsão, se irá tornar em breve bem concreto: a descapitalização do clube.
    Quanto à questão da modernidade, talvez haja quem preferisse que estivéssemos ainda a jogar no velho estádio com os espectadores a levarem com a chuva em cima, a treinar em apenas um campo ali ao lado e com os putos a aprenderem sobre pelados e sem enquadramento. Eu não.
    É uma porra quando se olha só para o lado negativo das coisas. Claro que o que é moderno não é o Sporting estar cheio de dívidas, mas sim o que está lá escrito: "entrar na via moderna quanto a instalações desportivas". E não era nada inevitável que, para adquirir esses modernos equipamentos, tivéssemos de ficar de tanga. Como escrevi já uma data de vezes, tal deveu-se a graves erros de gestão, quem sabe se não a vigarices (e voltarei a este assunto). Agora se não tivéssemos aqueles equipamentos os grandes seriam hoje só dois.
    Quanto aos benefícios que digo existirem nas SAD e aos argumentos acerca de ser praticamente impossível, face à legislação em vigor, voltar atrás no processo da SAD, isso nem referes...

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  9. Li o artigo todo, li!
    Mas as tuas observações são tão categóricas e de tal forma estruturantes que só podem ser encaradas como sendo, elas próprias, o contexto em que tudo o resto se insere.
    1- Não considero a SAD uma inevitabilidade de forma nenhuma. Nós a criámos, nós a podemos desfazer. Não quero com isto dar ideia que a extinção da SAD seja um objectivo a atingir, no matter what, ou que a SAD não tenha de ser tolerada porque o estrago resultante da sua extinção pode ser maior que a sua continuidade. Como disse, não tenho dados sobre qualquer das hipóteses e portanto não me posso pronunciar categoricamente.
    O que acho é que a SAD é um mau negócio para o Clube.
    Assim sendo, o que debatemos aqui é uma questão de princípio e, se não me engano (ou então lógica é mesmo uma batata) estamos de acordo e isto é neste aspecto um falso confronto.
    Eu acho que as SAD não servem, mas chegados ao ponto a que chegámos talvez a tenhamos que gramar porque seria mais gravoso extingui-la. Talvez seja obrigado a aceitá-la...
    Tu achas que as SAD são uma falsa questão de lidar com o problema da organização dos clubes, mas achas que são inevitáveis para que os clubes, nas condições actuais, subsistam. Não vejo o que é que na prática (na prática, sublinho!) haja de diferente nas nossas posições...
    2- Quanto à questão da modernidade, lá estamos nós a baralhar os pressupostos da conversa! Eu não preferiria o antigo estádio de Alvalade. Apesar da Laurinda não gostar, eu gosto dele e sinto-me muito bem lá dentro. Gosto do nosso estádio, quando estou lá dentro (não sei se me faço entender...) :-) E levei com muita chuvinha em cima para não valorizar o facto de agora conseguir ver um jogo enxuto! Mas, a verdade é que o estádio está-nos a sair por um preço que nós estamos a amargar e as gerações futuras de Sportinguistas vão amargar durante muito tempo, a menos que sejam tomadas medidas. Portanto, a realidade (repito: a realidade!) é que estamos a pagar um preço pela "modernidade" que não compensa. Não compensa, ponto parágrafo!! Que o investimento foi desajustado, que as bases em que assentou todo o "projecto" foram mal calculados, creio que ninguém contestará. E é isso que está em causa. De resto, quanto a termos um Sporting do séc. XXI não tenho absolutamente nada a opor. Mas, já estarmos no século XXI e termos ainda dívidas do séc. XX, lá isso não abona muito a favor desta "modernidade"...
    E quanto à questão dos 2 ou 3 grandes e da necessidade de um estádio para ser grande, isso também era conversa que tinha pano para mangas, como sabemos...
    3- Quanto aos benefícios, é um facto que não os mencionei. Neste comentário... Um dos que apontas, o das contas e gestão transparentes já disse e repeti que acho que não é preciso uma SAD para isso.
    Quanto à outra vantagem que apontas, a do controlo da SAD pelo Clube (i.e. pelos sócios) ora aí está outra coisa que eu não percebo. Mas, então se o CLube precisa de controlar a SAD porque é que foi preciso a SAD?!!! Não seria melhor controlar o Clube?
    Que controlo é que o Clube tem sobre a SAD? Que controlo temos nós, real, sobre a SAD? Então a SAD não existe para apagar os sócios da equação?
    Seria bom se a SAD fosse uma estrutura do Clube para gerir profissionalmente os seus destinos. Se fosse, digamos, o "braço armado" do Clube. Estava no terreno e era ela que sujava o "fato macaco". Mas, isso é uma contradição absoluta com os objectivos de uma SAD. A SAD é uma criatura com vida e ambições próprias que não se conciliam nem de perto nem de longe com as do Clube. Só sobreviverão (uma e outra estrutura) enquanto houver equilíbrio nas respectivas pensões de sobrevivência. É uma espécie de simbiose, ou uma daquelas associações simbióticas ou de mutualismo do tipo da garça com o touro, ou da rémora com o tubarão. Quem é a rémora? E quem é o tubarão nesta relação? E quando uma contrariar a outra? Como é? O tubarão vai coçar as costas à rémora...? Pois, pois...
    Creio que a resposta é fácil de encontrar.

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