quarta-feira, 12 de março de 2008

O passado, o presente e o futuro do Sporting

Quando se evoca o Sporting centenário há que, em nome da coerência, da honradez e da honestidade, assumir os princípios que norteiam este Clube desde a sua fundação. Um "Sporting" que não respeite os seus princípios fundadores não é mais o Sporting Clube de Portugal. É uma outra coisa qualquer, que até pode ser legítima, mas que não pode contudo encavalitar-se no ADN do Sporting original para fazer vingar ou impor uma outra realidade totalmente diferente.
Digo isto porque creio que o que está hoje em causa no Sporting, antes de tudo o resto, é, na sequência da reconversão do Clube, o nosso papel, como Sportinguistas. Convém desde logo lançar a pergunta: será igual o nosso papel no contexto de um Sporting "tradicional" e de um Sporting "reformado"? Falamos da mesma coisa?
Na minha opinião, claramente, não.
Um Sporting tradicional é o de uma união cívica, alicerçada na prática e no fomento da prática desportiva, solidário, humanista, de princípios. Um Sporting reformado é um negócio. Esta diferença dita a forma como a instituição é gerida e lida com os seus problemas. No primeiro modelo, existe o primado da dádiva e da ajuda mútua. No segundo modelo impera o deve e o haver. Não são modelos compatíveis porque se cancelam mutuamente. Não é possível dar ao haver, nem é coerente dever ajudar.
É nesta encruzilhada que se encontra o Clube hoje. Hoje os Sportinguistas têm de lidar com o facto de as suas acções terem consequências contraditórias. Ajudam e são exortados a ajudar (a apoiar, a comprar, a integrar-se), mas o produto das suas acções, a consequência de todo esse seu envolvimento vai para o poço do deve e do haver. A realidade do Sporting hoje parece resumida a um frio e impessoal relatório semestral à CMVM. Os problemas que se resolviam anteriormente na via da solidariedade, derrapam agora na via da bolsa de valores.
Neste contexto cabe perguntar o que fazemos nós no meio deste filme?
Muita gente confunde o desejo de alcançar o rigor de gestão, as contas limpas e a contenção orçamental com o modelo reformado. E ipso facto o modelo reformado como o único capaz de assegurar aquele desiderato. Mas, uma coisa não tem rigorosamente nada a ver com a outra. No modelo reformado cria-se uma rubrica contabilística designada "Princípios" e depois sorteia-se o seu conteúdo numa passatempo que decorrerá no intervalo de um qualquer jogo. No modelo tradicional os Princípios levam-nos a ter de encontrar a rubrica contabilística que melhor os acolha, para melhor os poder levar à prática.
A contabilidade e as boas práticas de gestão são os mecanismos e não os fins que o Sporting deve usar para atingir os seus propósitos e cumprir os seus desígnios.
No passado, os princípios Sportinguistas foram suficientes para ir gerindo as coisas. A generosidade, a solidariedade e o sentido de entreajuda terão certamente funcionado quando as dificuldades apertavam. Depois o Sporting envaideceu-se com os seus feitos e começou a cometer o pecado da gula, ingerindo mais alimento do que aquele que a bolsa lhe permitia adquirir. Aí estão os pecados originais do Sporting: vaidade e gula! A fraqueza originada pelos pecados cometidos abriu as portas à confusão e ao oportunismo.
É nesse contexto que surge o "modelo" actual. Um "modelo" ainda híbrido, que se aventura nos terrenos da deriva consumista, mas que guarda pudicamente a distância relativamente aos sócios. É esse modelo hipócrita, corrupto, sem glória e condenado à morte, que os actuais corpos gerentes tentam controlar. Fazem-no com palavras mansas, para não espantar a caça, aguardando o momento de desferir o golpe. Mas os seus resultados são absolutamente desastrosos e colocam em perigo qualquer cenário futuro.
E, precisamente, quanto ao futuro, o que está em causa é simples: que modelo de Sporting? O modelo dos princípios ou o modelo do consumo.
Se vingar o modelo dos princípios, contarão certamente com muitos de nós que neles se revêem e por eles estão dispostos a todos os sacrifícios, como de resto acontece desde há tantos, tantos anos! E, note-se, sem nada cobrar em troca. Só precisamos de encontrar o modelo adequado de enquadramento da nossa participação.
Se vingar o modelo do consumo, os dirigentes do Sporting que o vierem a gerir podem contar com duas coisas: como sócio, nunca irei permitir que usem a imagem do Sporting Clube de Portugal --essa "unidade indivisível (...) que tem como fins a educação física, o fomento e a prática do desporto (...) [e] como símbolo o leão, que significa a força, destreza e lealdade que devem constituir apanágio de toda a sua actuação"-- para vender mais uns cachorros quentes ou marcar mais pontos no "cartão-fidelidade". Lutarei até ao limite das minhas forças para que esses símbolos e princípios sejam sempre pertença de quem a eles tem legitimamente direito. Se perder, irei pregar para outra freguesia porque a mim não me apanham mais, simplesmente, como cifra de cifrão.
Mas, não se vão sem dura luta!!

4 comentários:

  1. Nem mais! É a incapacidade de muitas pessoas compreenderem a impossibilidade absoluta de conjugação dos dois modelos que nos arrasta para os discursos de meias tintas que hoje vamos encontrando, quer da parte da direcção, quer por parte de certa oposição. Qualquer uma das partes muda de chip (como dizia o Special One), conforme lhe é mais conveniente. É isto que é preciso clarificar urgentemente.
    Como já aqui tinha comentado, só quando formos definitivamente derrotados é que vou comer bifanas para a Tapadinha! Até lá vão ter que me aturar (mais ao modelo da dádiva) quer queiram, quer não!

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  2. Completamente de acordo. Por um lado, ostensivamente ignorar o papel que aos sócios cabe e, mais que isso, fomentar o desinteresse e a sua não participação associativa, e por outro, usar os sócios como uma mera fonte de financiamento, é verdadeiramente ultrajante.
    Começo a perceber o que o Groucho Marx queria dizer quando afirmava que nunca entraria para um clube que o aceitasse como sócio...

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  3. Registo a alusão ao Groucho Marx, um dos meus personagens de referência :-)

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